A Meta — empresa por trás do Facebook, Instagram e WhatsApp — está sendo acusada de implementar uma técnica controversa de rastreamento de usuários chamada “localhost tracking”, que permite monitorar atividades mesmo com bloqueadores de anúncios e rastreadores ativados.
A prática levanta uma pergunta urgente: isso viola legislações como a GDPR, na Europa, e a LGPD, no Brasil? E mais: o que essa técnica significa para a privacidade de milhões de pessoas?

📡 O que é o “localhost tracking”?
O chamado “localhost tracking” consiste no uso de scripts que rodam localmente no dispositivo do usuário — seja computador ou celular — utilizando o endereço IP 127.0.0.1
, também conhecido como localhost. Essa abordagem permite que a Meta colete dados do usuário de forma “invisível” para ferramentas tradicionais de privacidade, já que a comunicação ocorre dentro do próprio dispositivo e não é identificada como um tráfego externo suspeito.
Esses scripts podem capturar interações com a tela, cliques, rolagens, tempo de permanência em páginas, e até informações de formulários antes mesmo de serem enviados, tudo isso sem que o usuário perceba ou consinta conscientemente.
🧠 Por que isso é um problema?
Porque a técnica burla ativamente mecanismos que o próprio usuário adotou para se proteger — como bloqueadores de rastreamento (uBlock Origin, DuckDuckGo App Tracking Protection, Pi-hole, etc.). Além disso, muitos navegadores modernos oferecem proteção nativa contra cookies e rastreamento, mas o localhost tracking passa por fora dessas barreiras.
Ou seja: a Meta estaria contornando a intenção clara de privacidade do usuário, o que pode ser interpretado como violação de princípios fundamentais da GDPR e da LGPD.
⚖️ Isso fere a GDPR (União Europeia)?
A GDPR exige consentimento explícito, informado e específico para qualquer coleta de dados pessoais. Ela também determina que:
- O usuário tem direito de saber quais dados estão sendo coletados
- O usuário tem o direito de retirar o consentimento a qualquer momento
- Os controladores de dados devem ser transparentes quanto aos métodos usados
Com o localhost tracking, a coleta ocorre sem clareza, sem opção de bloqueio real e sem transparência, o que pode ser visto como violação dos artigos 5º, 6º e 7º da GDPR.
🇧🇷 E a LGPD no Brasil?
A Lei Geral de Proteção de Dados brasileira (LGPD) possui princípios similares aos da GDPR. Entre os princípios fundamentais estão:
- Transparência
- Boa-fé
- Necessidade
- Finalidade
- Segurança
Assim como a GDPR, a LGPD também exige que o titular dos dados seja claramente informado sobre o tratamento de seus dados, e que isso ocorra com consentimento livre e inequívoco.
Técnicas de rastreamento “escondidas” como a do localhost podem ser entendidas como práticas desleais, infringindo os princípios da LGPD — especialmente os de transparência e segurança.
🕵️♂️ O que exatamente a Meta pode coletar com isso?
O “localhost tracking” permite:
- Rastrear movimentos do mouse e toques na tela
- Coletar cliques em links e botões
- Medir tempo de leitura e atenção
- Capturar campos preenchidos (mesmo sem envio)
- Monitorar atividades mesmo com rastreadores bloqueados
Esses dados são extremamente valiosos para anúncios direcionados, manipulação algorítmica e perfis de comportamento — e ainda mais preocupantes quando obtidos sem permissão clara.
🛡️ Quais os riscos para o usuário?
Além da clara violação da privacidade individual, o uso dessas técnicas representa:
- Risco de vazamento de dados sensíveis
- Formação de perfis comportamentais indevidos
- Coleta de dados por empresas terceirizadas não autorizadas
- Abuso de poder de mercado por parte de gigantes da tecnologia
- Impossibilidade real de recusa informada, mesmo com bloqueadores ativados
🧰 Como se proteger?
Apesar do localhost tracking ainda estar em zonas cinzentas legais e técnicas, o usuário pode tomar algumas medidas:
- Use navegadores com foco em privacidade, como Brave ou Firefox com proteção aprimorada ativada
- Evite apps oficiais de redes sociais — prefira versões alternativas via navegador com rastreamento desabilitado
- Use ferramentas como NoScript, Little Snitch ou Portmaster para identificar execuções locais suspeitas
- Monitore conexões do localhost com firewalls pessoais
- Fique atento às configurações de privacidade de aplicativos e permissões no celular
🧾 E as autoridades estão fazendo algo?
Até o momento, autoridades de proteção de dados da Europa e do Brasil ainda não emitiram parecer oficial sobre o localhost tracking, mas diversos especialistas em cibersegurança e proteção de dados vêm alertando sobre os riscos éticos e legais dessa abordagem.
Se confirmada a prática sistemática sem consentimento, a Meta pode estar sujeita a pesadas sanções, como já ocorreu em outras infrações à GDPR.
✅ Conclusão
O “localhost tracking” é uma técnica sofisticada, mas perigosa que ilustra como gigantes da tecnologia continuam a explorar brechas técnicas para manter sua capacidade de vigilância — mesmo diante de leis e bloqueios.
Tanto a GDPR quanto a LGPD foram criadas para proteger os usuários contra abusos de coleta e uso de dados, e práticas como essa vão na contramão da ética digital e da confiança do usuário.
Em um mundo onde privacidade é escassa, entender como nosso comportamento é rastreado é o primeiro passo para resistir. E exigir responsabilidade das empresas que detêm nossos dados é o segundo.